Nota sobre o PL 504/20: Vamos educar? Não! Vamos proibir!

Em outra demonstração de desrespeito e violência contra a pessoa LGBTQIA+ e contra a criança, a deputada estadual Marta Costa (PSD) apresentou o projeto de lei 504/20 à Assembleia Legislativa de São Paulo, que tem tramitado nas últimas semanas. 
 
Este projeto, que visa proibir a presença de pessoas LGBTQIA+ e famílias homoafetivas em publicidade direcionadas a crianças, com a desculpa de evitar a inadequada influência na formação de jovens e crianças, passou em plenário da ALESP no dia 28 de abril e foi distribuído para a Comissão de Constituição Justiça e Redação (CCJR), Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais (CDD) e Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento (CFOP).

Essa lei é criminosa, inconstitucional e LGBTQIA+fóbica! A construção argumentativa de forma reacionária e limitada erra grosseiramente ao confundir o direito de toda criança a ter uma família, que é axiomático, ao fomentar que a tal família deva ter constituição obrigatória estrita a um pai e uma mãe, tornando-as as únicas legítimas à publicidade, como ferramenta de invisibilização e limitação dos direitos de pessoas LGBTQIA+.
  
Deixamos aqui evidente que não estamos fazendo defesa de propagandas dentro do sistema capitalista, as quais visam o lucro, os acúmulos, as distorções, e as explorações inerentes a este sistema opressor. Mas com a invisibilização contida nesta proposta, vemos a câmara dos deputados evidenciando o que todas já sabemos: há corpos que valem mais mais que os outros, e há corpos que, cotidianamente, sequer tem o pleno reconhecimento de suas vidas pelo Estado, e que agora estão sendo pressionados para voltarem ao ostracismo e ao armário da mídia.
 Sinto muito estragar seus planos, mas não voltaremos!
Nem pro armário da mídia, nem nenhum outro!

 
 Com este projeto de lei, as crianças não estão sendo em nada protegidas. Estão sendo empurradas para um mito, para uma caverna de desinformação e ignorância, para a alienação; assim, torturando-as, violentando-as, espera construir uma sociedade distópica livre da diversidade, mas produz de fato crianças amputadas do convívio com o diverso e ceifadas de informação para sua interpretação do mundo, para sua autodefinição de gênero e consciente exploração da sua sexualidade.
 
 Antes de destacar as contradições jurídicas oriundas desta lei, vale informar que a fiscalização sobre propaganda comercial no Brasil é realizada pelo CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que por sua vez cumpre o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, com o objetivo de ponderar a veiculação de anúncios com conteúdo ofensivo, abusivo, enganoso, ou que desrespeitam o direito a concorrência, por exemplo.

Como citamos o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, vale explicar que este é um código nacional, e que é atribuído ao governo federal a competência exclusiva de legislar sobre propagandas. A lei ainda é inconstitucional quando viola o artigo 220 na parte em que ataca “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”. E também é LGBTQIA+fóbica no que usa o termo “preferência sexual” em sua redação original, para se referir à “orientação sexual”. 

Além disso, o PL não atinge o público infantil diretamente, uma vez que a propaganda infantil é regulada e proibida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) , do Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016)  e da Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda [https://criancaeconsumo.org.br/noticias/publicidade-infantil-ja-e-ilegal-e-precisa-continuar-assim/], mas objetiva a manutenção de políticas preconceituosas e conservadoras em detrimento de um suposto progressismo e imposição de pautas de costumes e neoidelogias que não são mais que direitos básicos através do silenciamento das pautas LGBTQIA+ nos meios de comunicação.

Esta ação do tipo isca serve de palanque de manifestações absurdas por políticos medíocres que repercutem e aumentam a sua base através da mídia negativa de suas ações. Esta vez, no entanto, além de atacar a comunidade LGBTQIA+, atacou diretamente os interesses de agências de publicidade que têm acumulado altos lucros do pink money e que possuem um papel nevrálgico na propagação do conteúdo que consumimos, alanavancando ainda mais sua autopromoção.Acreditamos que, quando mal abordado ou sem os devidos recortes sociais, dar palco a este tipo de manifestação pode gerar um efeito negativo maior do que um debate construtivo. Por isso é importante para nós como entidade que saiamos do rastro que nos permitem ocupar, o de defender sempre o espaço que é já nosso por direito, e avançarmos, conquistando cada vez mais novos territórios. É essencial que pautemos esta situação pontual de forma formativa e construamos coletivamente os alicerces para avançar, em todas as ocasiões, participando do fortalecimento das atividades e discussões sobre o tema, como o I Encontro LGBTQIA+ do SinTUFABC. Aos nos posicionarmos nesta questão em específico, podemos ser compreendidos como peões no tabuleiro de xadrez do capital, mas é importante que façamos as devida separação da questão do consumismo e da homofobia escancarada neste projeto. O consumismo desenfreado não é nem de longe a melhor forma para tornar estas vozes públicas, mas causa um interessante efeito de fluência sobre importantes pautas: a publicidade e a mídia de pautas representativas não torna a criança homossexual, mas exerce um importante papel de tornas as gerações futuras mais respeitosas e tolerantes quanto às questões de orientação sexual, gênero, raça, etnia, religião e etc. Este efeito pode ser visto, por exemplo, na aceitação dos millenials ao casamento de pessoas do mesmo sexo: 74% são a favor, frente a 59% da geração anterior, a X, que teve sua aceitação ainda impulsionada nos últimos anos [https://www.pewforum.org/fact-sheet/changing-attitudes-on-gay-marriage/].  O efeito positivo sobre a geração Z, nascida na era digital, deve ser ainda maior.É importante que discutamos as relações de consumo com a publicidade da população LGBTQIA+, da população negra e da infância. Elas têm sim um falso caráter inclusivo e não é apenas através da inclusão no consumo que se inclui pessoas  e somos profundamente contrários a ideia de ter para ser. Apesar disto, nesta “escolha muito difícil”, escolhemos não nos silenciar frente a LGBTQIA+fobia, posicionando-nos contra a PL 504/20. 

ABAIXO ao PL 504/20! 
Coordenação Executiva do SinTUFABC
 
 
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