Na segunda semana de janeiro de 2021, logo após o Brasil ter alcançado o vergonhoso número de 200 mil vítimas da COVID, ficamos estarrecidos com a notícia dos fatos que viriam depois a serem conhecidos como um dos maiores desastres na saúde pública do mundo inteiro, com proporções humanitárias inequívocas: a morte por asfixia em hospitais do Amazonas, por falta de oxigênio para acometidos pela COVID-19. Dentre o desenvolvimento desigual das regiões do Brasil, a Região Norte é uma das regiões que mais tem sofrido na história do Brasil e, mais recentemente, com as irresponsabilidades desse desgoverno, desde o início do mandato, a taxa de pessoas pertencentes à etnia indígena que foram assassinadas (em crimes quase sempre com mandantes impunes), mais do que dobrou, desde que tomou posse, e a cifra não para de aumentar.
No aspecto ambiental, as queimadas na Amazônia legal, também, mais do que dobraram, incendiando parte da maior floresta tropical do mundo, da qual os resíduos da ignição que se dispersaram, espalharam-se pelo céu a América Latina afora. Os investimentos em prevenção a queimadas nunca estiveram tão baixos, tanto em empenho como em execução, inclusive dando indícios que estamos caminhando para o nível de degradação de não retorno do ecossistema predominante na região, a floresta amazônica.
A mesma região recentemente também ficou sem energia elétrica por semanas, onde, ressalta-se, teve sua produção e distribuição totalmente entregue a empresas privadas há décadas. Esta é mais uma prévia do desmonte que está sendo construído em todos os setores públicos do país, através da aplicação do projeto de sucateamento de Estado, e pela venda das estatais e empresas públicas a fim de darem lucro fácil, sobretudo, ao capital estrangeiro.
No estado do Amazonas, as cenas estarrecedoras das covas coletivas, que chocaram o Brasil nos meses de abril e maio de 2020, não foram suficientes para convencer os governantes a garantirem a vida humana acima de tudo. Fecharam os olhos para a gravidade da situação, que agora resulta no desastre da falta de oxigênio para os pacientes de COVID-19, ocasionando na morte de pessoas que poderiam, de outra forma, serem salvas.
Em razão das sucessivas e inexplicáveis omissões governamentais, algumas das quais mais parecem ter sido deliberadas conscientemente, ou, se não o foram, resultam da assunção do risco de não ter tomado suficientes medidas de enfrentamento à pandemia, há agora o desastroso resultado do incremento da mortalidade, com a perda das vidas de uma população que poderia ter sido protegida. Trata-se de uma barbárie, que vitima os povos da Floresta e das regiões metropolitanas, das pequenas cidades da região Norte, enfim, faltam insumos básicos em toda essa vasta extensão territorial amazônica, o oxigênio necessário, por exemplo, é dos itens faltantes, onde a logística poderia ter sido eficaz para mitigar os efeitos da doença, para os pacientes pacientes submetidos a internação. Ocorre que a esperada logística não assegurou a sobrevivência. Pode-se dizer: Falta oxigênio, onde sobrou incompetência!
Especialistas já previam a calamidade no sistema de saúde, haja vista a falta do devido enfrentamento federal à pandemia, políticas mais restritivas eram necessárias e foram devidamente opinadas para que os governantes, sobretudo os mandatários da esfera federal, providenciassem medidas com celeridade. O alerta para falta de oxigênio na região norte vem desde a gestão de Mandetta frente ao Ministério da Saúde, tendo sido ignorado o último alerta sobre o gás (mas ainda em tempo de prevenção da calamidade) 7 dias antes da calamidade se instaurar. O tempo suficiente para quem não tinha feito nada desde o começo da pandemia, para que começasse a se mexer, antes que o Amazonas asfixiasse.
Tendo o governador cedido às pressões da elite amazonense, este cedeu aos interesses econômicos e políticos inomináveis, omitindo-se em fazer o devido lockdown em tempos de festas de final de ano, uma vez que os casos já se encontravam em plena ascensão. Assim, a tragédia humanitária que vivemos hoje, com reflexos inequívocos em todo o Brasil, foi uma tragédia completamente anunciada no apagar das luzes do ano de 2020. Esta mesma elite política e econômica, que ao primeiro sintoma da doença pode ter acesso a jatinhos, respiradores e aos melhores hospitais, nunca avalizou possíveis posturas restritivas que pudessem salvar vidas, por terem o único compromisso com o próprio lucro, a exploração da força de trabalho e cumplicidade ou omissão para com relação ao derramamento de sangue indígena, a destruição ambiental e a morte dos mais pobres nas cidades amazônicas, esses considerados meros fatores de produção, mas completamente desconsiderados enquanto pessoas protegidas pela dignidade e o direito à vida. É dizer: foram considerados cálculos de mera externalidade social, a serem descartados em prol da lucratividade pouquíssimos.
Assim, nesse descalabro sanitário, político e social, chegamos em meados de janeiro de 2021 ao maior número de casos confirmados de COVID-19 da história, em apenas um mês(1 mês!), na capital amazonense, mesmo apurados apenas seus 12 dias iniciais desse primeiro mês do ano. De acordo com o governo do Amazonas, as internações por covid-19 chegaram a 2.221, de 1º a 12 de janeiro, e, em Manaus, superando os 2.128 pacientes internados com o vírus em abril de 2020, até então o pior mês da pandemia na capital. Até a terça (12), o número de casos confirmados no Amazonas passava de 218 mil, com mais de 5,8 mil mortes.
Em Manaus, a doença vem se alastrando nas diversas classes sociais neste mês de janeiro do presente ano, e tudo indica que os fatores são múltiplos, mas a falta de um presidente da república que tenha capacidade para enfrentar até as questões mais simples, sem dúvida, é o fator central de toda a crise humanitária que ameaça a existência da população.
O que vemos não é só o descaso, é o resultado de um misto de más intenções, e incompetências, que, somadas à falta de conscientização da população, misturadas à precarização da saúde pública e do atendimento dos pacientes de COVID, produziram o desastre anunciado.
Outra influência possível que pode ter contribuído para chegarmos à situação atual é da mutação amazonense do vírus ser mais suscetível à transmissão e à infecção, podendo ainda ser mais letal. Fato é que a vacinação no Brasil apenas inicializa, nos flancos de uma crise federativa cujo litigante central, digamos assim, é aquele (inominável, pouparemos aqui de dar holofotes a necropolíticos, ao mandrionismo e aos que irresponsavelmente tratam a pandemia como mera gripezinha), quem deveria prezar pela harmonia, pela diplomacia e solução das controvérsias mediante o diálogo e o equilíbrio, e a solidariedade entre os entes da República Federativa do Brasil. Nada disso o faz, e, incendiando as tensões e polêmicas administrativas (veja-se o exemplo da polêmica que se tentou instalar com relação a ANVISA e os governadores, um show de horrores e de oportunismos políticos), potencializa as divisões e a falta de coordenação sistêmica.
A corrida pela vida, tornou-se nesta má gestão, uma corrida contra o tempo para salvar os adoecidos do Amazonas. Batalhar pela defesa da ciência, da vida e, agora, da vacina para todos, continua sendo o principal objetivo de todos nós. O SinTUFABC se solidariza com todas as vítimas, do Amazonas, do Brasil e do mundo. A sociedade civil precisa responder com mobilização e atitude, em corrente de solidariedade para tentar conter a situação da necropolítica. A ciência e as políticas públicas de saúde, com a garantia do SUS público, gratuito e de qualidade, em união com as universidades públicas, o Instituto Butantã, a Fiocruz, todos em união garantindo a vacinação da população e o fornecimento do oxigênio, são medidas necessárias para esse enfrentamento ao inominável e ao vírus, que só poderão ser enfrentados coletivamente.
Por essas razões, o Brasil, que é asfixiado pela necropolítica, tem pressa e pede socorro. Em conjunto com a central CSP-Conlutas, a quem somos filiados, defendemos o FORA BOLSONARO E MOURÃO, e conclamamos a todos que unam esforços para a contenção dessa inequívoca crise humanitária que está apenas iniciando.